segunda-feira, julho 18, 2005

TODA A ENERGIA É A MESMA...

A noite inspira-me...
O silêncio acompanha-me
Segredamos sós, um ao outro
Por isso, sinto vontade de continuar!

Já agora, porque não continuar a poesia de Álvaro de Campos, já na recta final, bastante reduzida, mas com as partes que mais dizem comigo? Aqui vai, é de uma beleza enorme, mas com muita loucura à mistura, ora vejam!!!

A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

Poder rir, rir, rir despejadamente,

Absolutamente doido só por sentir,
Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo.

As leis irrepreensíveis da Vida,
E que acho que não faz mal não ligar importância à pátria
Porque não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público...

Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer coisa...

Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o facto é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente, há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,

E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.
Assisto a tudo e definitivamente.
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira.

Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...

A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha...!!!

(Álvaro de Campos)

4 Comments:

At 18/7/05 09:41, Blogger Dilbert said...

Oi Kalinka,
É absolutamente divino este poema de Álvaro de Campos... isto é que é vivência... isto é que é expressá-la... fantástico !
Beijokas e até já...

 
At 18/7/05 12:45, Blogger Isabel Filipe said...

"........
Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
...."

fantástico....claro que todo o poeta tem um pouco de louco... se não tb não era poeta....

Beijokas

 
At 19/7/05 00:17, Blogger Madalena said...

Mais uma pessoa a gostar do àlvaro de Campos, o Pessoa que eu mais penso entender!
Ke bom!

:)

 
At 19/7/05 15:23, Blogger Kalinka said...

Dilbert
Isabel
Pés descalços:
Peço desculpa de estar a escrever p/os 3 ao mesmo tempo mas não posso estar muito tempo sentada, vou já para a cama, doente!!!
Agradeço do fundo do meu coração, a sério, as vossas palavras de incentivo e que bom saber que há mais quem partilhe o mesmo gosto que nós, neste caso: Álvaro de Campos.
Que bom....mesmo!

PS: possívelmente não virei tão em breve ao blog, c/muita pena minha, mas é a vida! Beijos a todos.

 

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